Especialistas avaliam impacto da redução parlamentar italiana para quem requer cidadania

Projeto em tramitação no parlamento da Itália restringe as regras para concessão do benefício por direito de sangue

A redução do número de deputados e senadores italianos, aliada ao projeto em debate no país que limita a cidadania italiana só à primeira geração, cria dúvidas entre os descendentes. Aqueles que estão com o processo em andamento ou pretendem reunir os documentos para requerer o direito sentem apreensão diante do atual cenário político. 

Aprovada em 20 de setembro, a mudança no parlamento italiano prevê o corte, a partir das próximas eleições, de 345 parlamentares, sendo que hoje são 945. A redução também afeta representantes eleitos no Exterior, que passarão de 18 (12 deputados e seis senadores) para 12 (oito deputados e quatro senadores). Atualmente, o Brasil tem apenas um representante, o deputado Luís Roberto Lorenzato, da Liga.

Depois da votação, parte da comunidade ítalo-brasileira e quem tem interesse em obter a cidadania enfrenta incerteza quanto ao reflexo em relação ao projeto que tramita na Itália. A proposta limita a transmissão da cidadania italiana por direito de sangue (“iuri sanguinis”) somente à primeira geração. Isso significa que a proposta cria italianos de primeira, segunda e terceira classe, que são respectivamente os italianos nascidos na Itália de pais italianos, os italianos nascidos no Exterior de pais nascidos em território italiano e os italianos nascidos no Exterior de pais nascidos no Exterior. 

A opinião dos especialistas sobre a chance de aprovação

A reportagem contatou três especialistas no assunto para analisar o cenário político e se há chance de aprovação da proposta: 

— É uma maneira delicada de extinguir completamente com nosso direito — afirma Nátali C. Lazzari, nascida em Garibaldi e que trabalha com consultoria genealógica e judicial desde 2015.

Radicada em Verona, ela acredita que o cenário não poderia ser pior, já que em 2018 o partido de direita, a Lega (Liga), propôs o pedido de restrição de gerações, e agora a proposta é lançada pelo partido que sempre se opôs à Liga: 

 — Quando a proposta de restrição do limite de gerações entrar na agenda da votação parlamentar, essa matemática será ainda mais sentida, pois, com pouquíssimas vozes em nossa defesa, a probabilidade de a lei ser aprovada é muito alta. 

Para o consultor jurídico italiano Agostino Calvi, que reside em Caxias do Sul desde 2013 e também é especialista em processos de cidadania, considerando a composição atual do governo e a orientação política, há chance de o projeto ser aprovado: 

 — Existe uma forte pressão de algumas coalizões políticas para resolver a situação de filhos de estrangeiros nascidos na Itália, os quais não são considerados cidadãos italianos (introduzindo o critério chamado de “ius soli”). 

Ele ressalta no entanto, que a constitucionalidade da criação de classes de cidadãos italianos colide com a disposição constitucional, segundo a qual todos os cidadãos são iguais (art. 3 da Constituição Italiana). 

Já o advogado Lonis Stallivieri, que atua há 34 anos com reconhecimento de cidadania italiana em Caxias do Sul, acredita na possibilidade de aprovação da proposta, se não neste momento, em uma próxima votação: 

 — A tendência é que, dia mais ou dia menos, irá acontecer, pois estamos vendo que há uma movimentação bastante crescente do Movimento 5 Stelle para que isto ocorra, pois acredito que seja o único pais que ainda não limita gerações para a concessão do benefício da cidadania pátria.

Stallivieri complementa: 

—  Se você olhar ao seu redor, verá que a “italianidade” que era viva nos avós e nos pais e, ainda, na geração que nasceu nos anos 1950-1960, se perdeu no sentimento dos jovens nascidos nos anos 1980 para cá. Basta entrevistar um jovem descendente de italianos, que tenha lá seus 25, 30 anos de idade, para entender que ele nada sabe de seus avós ou bisavós. Raríssimos são os que ainda alimentam a italianidade dos seus ascendentes, e é isso que a Itália está sentindo e percebendo hoje. 

O projeto

De autoria da deputada Elisa Siragusa, do partido 5 Estrelas e de outras seis parlamentares, a proposta defende que a ausência de limite na descendência está causando uma excessiva proliferação de pedidos, que, na opinião dela, “determina um mau funcionamento dos consulados”. Siragusa afirma que a proposta, ao contrário do que ocorre hoje, favorece “àqueles que tenham efetiva ligação com o nosso país”. A ideia é igualar o modelo adotado pela Itália ao de outros países da União Europeia, como Alemanha, Espanha e Portugal, onde existe o limite geracional. Atualmente, o projeto está sendo analisado pela 1ª Comissão de Assuntos Constitucionais, mas ainda não foi colocado em pauta para ser discutido.

O advogado Lonis Stallivieri afirma que a proposta nasceu da falta de uma integração com a italianidade por parte dos jovens da terceira geração em diante, que não se interessam pela língua e pela cultura italianas. 

 — Eles pretendem obter o reconhecimento da cidadania italiana para  poderem ter em mãos um passaporte da Comunidade Europeia e se estabelecer nos Estados Unidos com maior facilidade do que como brasileiros, ou, então, para se fixarem na Inglaterra, ou Irlanda, ou Espanha, ou seja, demonstrando total desinteresse ao país que lhe concedeu uma oportunidade ímpar, e isto tem um preço alto a ser pago: uma lei limitadora que põe fim a este oportunismo — ressalta ele. 

Se o projeto for aprovado

Se a lei for aprovada, somente o filho (primeiro grau) ou o neto (segundo grau) serão considerados italianos. A especialista Nátali C. Lazzari explica que atualmente não há limites de geração. 

 — Eu mesma sou trisneta (quarto grau) de imigrantes. A Serra, sobretudo Garibaldi, Bento Gonçalves, Farroupilha e Carlos Barbosa, é uma região de imigração pioneira, portanto, se vivos, os netos de imigrantes hoje têm todos mais de 70 anos. Para aqueles que iniciaram o trâmite ou que iniciarem antes da mudança, o risco é muito pequeno, pois a lei, via de regra, não retroage para prejudicar — afirma ela. 

O advogado Lonis Stallivieri também crê que não tenha reflexos para os descendentes que já ingressaram com o pedido de reconhecimento da cidadania italiana, mas ressalta que sempre há certa apreensão: 

 — Para os que se encontram na fila de espera para entrega futura do processo, ou no aguardo de uma sentença junto ao Tribunale Civile di Roma, eu presumo que, se aprovada a normativa em questão, seja preservado o direito na lei atual a estes que já manifestaram o interesse, mas sempre fica um “ponto de interrogação” e alguma preocupação na retroatividade, atingindo esses descendentes também.

Para o consultor jurídico italiano Agostino Calvi, mesmo se o projeto de lei for aprovado, o direito ao reconhecimento da cidadania italiana dos já nascidos deveria permanecer inalterado: 

 — Todos os descendentes são italianos desde o nascimento, já nasceram com essa condição e só precisam que essa seja reconhecida pela administração pública italiana. Qualquer entendimento contrário daria lugar a uma aberração jurídica que teria que ser discutida perante o tribunal competente — defende ele. 

Orientação 

Os consultores orientam os interessados em requerer dupla cidadania a realizar ao menos o pedido formal ao Consulado Italiano.

 — Minha dica é que as famílias realizem pelo menos o pedido formal no Consulado, quem tiver o pedido pode ficar tranquilo — aconselha Nátali. 

Calvi concorda: 

 — É aconselhável aos interessados enviar, ao menos, o requerimento ao Consulado, que provará a manifestação do interesse ao reconhecimento da cidadania por parte do interessado.

Incerteza

Daniela Fabris, 33 anos, é de Bento Gonçalves  e atua como diretora regional da BEX Intercâmbio Cultural & Viagens. Ela está interessada em requerer a cidadania italiana para poder estudar, residir e trabalhar na Europa, e em demais países que aceitem a entrada de cidadãos italianos:

—  Estudei e trabalhei por dois anos nos EUA e conheço os benefícios do livre acesso proporcionado pelo segundo passaporte, não apenas na Europa, mas em diversos outros países que possuem excelentes acordos com a mesma. Perante esse clima de incertezas de até quando esse direito da cidadania será mantido, acho fundamental as pessoas ingressarem com o processo o quanto antes. 

Ela ressalta que mesmo que a cidadania não seja utilizada de imediato, pode fazer a diferença para as gerações futuras: 

 — Eles poderão usufruir da sua cidadania, viajando sem a necessidade de aplicar para um visto, estudando em universidades na Europa pagando o mesmo preço que os europeus pagariam (quando a mesma não for gratuita). Vão poder trabalhar em vários países legalmente, sem ter que passar por todos os processos burocráticos. 

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/ – 29/09/2020

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